quinta-feira, dezembro 11, 2008

Reinaldo Azevedo

UM HOMEM ACIMA DA LEI

Declare-se inimigo de Daniel Dantas, e você pode fazer qualquer coisa. Se for flagrado roubando pirulito de criança, grite: “Prendam Daniel Dantas!” Se for pego achacando alguém, esbraveje: “Prendam Daniel Dantas!” Caso se veja tentado a sapatear sobre a Constituição, não passe vontade: sapateie e jogue-a no lixo, não sem antes anunciar ao mundo: “Prendam Daniel Dantas!” Ele se tornou o bandido oficial do Brasil, o Cristo às avessas: o Nazareno redimia todos os pecados da humanidade, padecendo, em seu lugar, as penas. Há um risco considerável de que Dantas não pague pena nenhuma — já que alguns paladinos decidiram que transgredir a lei era uma boa maneira de pegá-lo —, e aqueles que gritam “Prendam Daniel Dantas” usam-no como pretexto para cometer suas próprias ilegalidades. De novo: se cobrir vira circo; se cercar, vira hospício.
Ontem, a Câmara dos Deputados conferiu ao delegado Protógenes a medalha do Mérito Legislativo. Ele foi sonoramente aplaudido pelos deputados. É o mesmo delegado que usou, de modo ilegal, 62 agentes da Abin na sua tal Operação Satiagraha. À esteira dos desmandos, a conversa de um senador da República com o presidente do STF foi grampeada. A própria Polícia Federal investiga os abusos. Mas uma das Casas encarregadas de fazer as leis do país não se importa que as leis do país sejam desrespeitadas: afinal, Protógenes é um dos que gritam: “Prendam Daniel Dantas!” No gargarejo e no aplauso, algumas notórias reputações envolvidas com o mensalão — que tem um novo capítulo escrito pelos cuequeiros. O binômio Daniel Dantas-mensalão parece interessar menos à Câmara e àqueles que o investigaram.
Protógenes é hoje o inimputável da República. Leiam esta sua fala, publicada na Folha Online: “Eu recebi uma decisão unilateral do órgão central da PF que propôs a relotação para outro setor, mas ainda não fui comunicado oficialmente dessa relotação.” E prossegue a Folha: “Segundo Protógenes, a fita divulgada pela PF com trechos da reunião que selou o seu afastamento foi editada ‘criminosamente’ pela direção do órgão. ‘A fita revela que eu não fui afastado, que eu fui deliberadamente afastado. Me propus a trabalhar nos fins de semana e permanecer para fazer análise do material apreendido.’" É isto: o delegado pode acusar quem ele bem entender, o que inclui os seus chefes na Polícia Federal. Quem não concorda com seus métodos está, naturalmente, a serviço de... Daniel Dantas. “Prendam Daniel Dantas!”.
Esse paladinismo irresponsável já contaminou setores da polícia e do próprio Judiciário, onde a mistura de mediocridade profissional e vaidade começa a se mostrar explosiva. Dantas, reitero, é só o que passa. Se for condenado, vai em cana e ponto final. A transgressão legal praticada por agente público fica marcada, tem conseqüências de longo prazo. Delegados e juízes tornados celebridades são péssimos exemplos para seus pares. Estimulam o “dane-se a lei” e o desrespeito ao processo legal em nome de uma investigação mais eficiente e de uma Justiça mais rápida. Resultado: ficam impunes os crimes que eles se propuseram a investigar e também aqueles que eles próprios cometem.
A tal apuração Satiagraha já está em mãos de outro delegado. Os dados dessa frente de investigação já estão colhidos. O que quer que venha a acontecer com Dantas não depende mais da ação de Protógenes. A questão, agora, é saber por que o delegado segue acusando quem lhe dá na telha, lançando suspeições a seu bel-prazer e ainda recebendo medalhas por isso.
Ah, sim. Também posso dizer: “Prendam Daniel Dantas!” Mas preservem as leis.
Fonte: blog do Reinaldo Azevedo (veja online)

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