sábado, junho 10, 2006

Mais um indignado

10/06/2006
Campanha ressuscita o “rouba, mas faz”
Ruy Fabiano

A escassa repercussão que obteve o relatório da CPI dos Bingos, na quinta-feira, 8, realça o ambiente de diluição moral em que está imersa a política brasileira.

A sucessão de escândalos que de um ano para cá desabaram no cenário político, a partir das denúncias de Roberto Jefferson, em vez de gerar providências drásticas, resultou em apatia.

A percepção popular é de que, em se tratando de política e de políticos, não há inocentes a bordo. Todos são vilões e habitam o mesmo chiqueiro. Supunha-se que o PT fosse um diferencial. Não é.
O raciocínio então é este: já que não há saída, que a corrupção é inerente à política, escolhe-se o mais simpático, o supostamente mais identificado com as causas populares. Daí o êxito pré-eleitoral de Lula. Não é íntegro, mas, na visão das ruas, não sendo essa uma novidade, seria dos males o menor. O essencial é que estaria empenhado em políticas assistencialistas amplas, o que restaura o velho slogan de Adhemar de Barros, o clássico “rouba, mas faz”.

Esse o argumento que se ouve da maioria dos pré-eleitores de Lula. Há ainda o descrédito de grande parte dos oposicionistas, que já exerceram o Poder e não lograram construir reputação melhor. Quando um cidadão mediano assiste na TV o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) chamar Lula de “ladrão”, fica, no mínimo, confuso. Primeiro porque ACM fez campanha e votou em Lula; segundo, porque, ao longo das décadas em que exerceu o Poder, o senador era o destinatário e não o emissor daquele adjetivo.
Os cientistas sociais e políticos que no futuro se debruçarem na análise desse quadro tão complexo hão de levar em conta esses fatores, que induzem à confusão de valores e ao descrédito – e levam ao quadro atual, de banalização do delito e do delinqüente.

O procurador-geral da República acusa o ex-ministro José Dirceu de “chefe da quadrilha”, mas ele continua a exercer funções de articulador político do presidente da República e de seu partido, viajando de jatinho particular, sem mencionar a origem dos recursos que o sustentam. Ninguém estranha, ninguém reage. A tanto chegamos – e isso, claro, vem de longe, das origens promíscuas de nossa formação nacional.

As denúncias expressas no relatório da CPI dos Bingos, de autoria do senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), são as mais pesadas e variadas, envolvendo personagens da cúpula do governo federal e de seu partido. Vão desde recebimentos de propinas a assassinatos, inclusive de um prefeito ilustre, Celso Daniel, de Santo André, cabeça coroada do PT, morto em circunstâncias que deixam mal notáveis de seu próprio partido e que chegam à ante-sala do presidente (que, claro, nunca ouviu falar em nada disso).

(...) sensação de impunidade se agrava, sedimentando o que foi dito acima: que em política é assim mesmo; que a lei é para os desafortunados. A invasão da Câmara dos Deputados pelo Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST), na terça-feira, não expressa propriamente uma revolta popular, pois não foi ação espontânea.
Foi articulada, pré-fabricada. Mesmo assim, mostra o nível de desgaste que a instituição política – que deveria ser a mais popular - desfruta hoje por parte da população. Os protestos restringiram-se ao meio político e às camadas cultas da sociedade civil organizada.

O povão achou interessante – e merecido, o que é altamente preocupante, pois, por pior que seja, o Congresso é o coração da democracia – e sem ela o que há é a barbárie (algo, aliás, já bem presente no cotidiano brasileiro).

(...) Em seu boletim que remete diariamente pela Internet, o prefeito carioca César Maia, fez, nesta sexta-feira, 9, um resumo de alguns dos delitos apurados pelas três CPIs que investigaram denúncias de corrupção no governo Lula. Reproduzo-o para ilustrar o ambiente a que me referi, de banalização do mal, que domina a política brasileira. Ei-lo:
“1. A revista Veja diz que o Daniel Dantas tem uma lista de contas no exterior de Lula, Dirceu, Palocci, Gushiken. Mas ninguém interpelou Dantas ou a própria Kroll e o ministro da Justiça ainda foi bater papo com o Dantas.

2. O uso de Paulo Okamotto como repassador de recursos a Lula e a seu genro está dito e repetido. Não negam nem interpelam. Apenas correm ao STF para impedir a abertura do sigilo bancário do Okamotto.

3. A cozinheira do Comendador Arcanjo (chefe do crime organizado em Mato Grosso) disse que viu Palocci e Dirceu saírem da casa do "comendador" com malas de dinheiro. Ninguém a interpelou. Ficou por isso mesmo.

4. Filho de Lula recebeu dinheiro da Telemar numa operação intermediada pelo Trevisan. E não há santo que consiga levar os presidentes da Telemar ou da Trevisan a depor.
5. O caseiro acusou Palocci que não o interpelou e tentou desmoralizá-lo. Foi pego em flagrante.

6. O doleiro Toninho da Barcelona afirma na CPI que entregava 20 mil dólares por mês a deputado - na época estadual e hoje federal - da cozinha do Lula. Este corre ao plenário da CPI e diz que era para seu filho e que eram 500 ou 600 dólares e não 20 mil. E fica por isso mesmo.
7. O doleiro Lucio Funaro paga o aluguel do deputado Eduardo Cunha - aquele que representa o Garotinho nas ações judiciais contra o PMDB. Ficam abertos os interesses cruzados na área financeira e fundo de pensão de empresa estadual. Ninguém faz nada.

8. Comprovam-se centenas de operações financeiras dos fundos de pensão do setor público com rombos enormes. Nenhum órgão de fiscalização oficial se mexe. Nada é feito. Fica por isso mesmo.
9. Desapareceram fitas gravadas que incriminam deputados do governo na operação-sanguessuga. São fitas de 2004. Ministério Público anda atrás da Polícia Federal para saber a razão.”

É isto. E na terça-feira o Brasil estréia na Copa do Mundo. Brasiiiilll!!!

Ruy Fabiano é jornalista

Fonte: blog do noblat

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