Ardendo no inferno
Por Fábio Santos
Às vésperas de cair, o ainda ministro da Fazenda Antonio Palocci disse que vivia “no terceiro ou quarto círculo do inferno de Dante”. Não sabia então o hoje ex-ministro que ainda desceria mais fundo nas entranhas do Hades e, como evidenciou Márcio Thomaz Bastos ao depor nesta quinta na Câmara, arderia em praça pública num espetáculo que alguns de seus agora ex-aliados gostariam que servisse para purgar os pecados do governo Lula e do PT e livrar o presidente do fogo. A proximidade entre Palocci e Lula era tão grande, porém, que o presidente pode acabar chamuscado. De todo modo, a operação delenda Palocci está em curso.
Mesmo envolvendo sua fala nos eufemismos e no vocabulário escorregadio dos advogados, o ministro da Justiça deixou claro que, a certa altura, quando se tornou impossível omitir o crime praticado por agentes públicos ao violar o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, o governo decidiu imolar Palocci para expiar suas próprias culpas. Bastos, cioso de que não pode condenar um homem que ainda não foi julgado, evitou ser peremptório sobre a responsabilidade do ex-ministro. Mas, para proteger o seu cliente, digo, seu superior hierárquico — o presidente Lula —, o eminente criminalista chegou perto disso.
A esta altura, Palocci já deve ter percebido que sua estadia no inferno será duradoura e pode até mesmo tornar-se ainda mais dolorosa, pois não são pequenas as chances de que venha a ser condenado no episódio da violação do sigilo bancário do caseiro, tantas são as evidências de seu papel protagonista no episódio. E muito mais se avizinha para o ex-ministro. O inquérito que investiga as supostas irregularidades havidas na gestão de Palocci na Prefeitura de Ribeirão Preto deve, no mínimo, colocá-lo no banco dos réus.
Para um homem que, em certo momento, pôde alimentar o sonho de um dia governar o país, tamanha era sua ascendência sobre as elites política e econômica, tal constrangimento já seria um sofrimento comparável aos imaginados por Dante. Mas a fonte de dores para o ex-ministro não se esgota em seus problemas judiciais. A CPI dos Bingos, que acaba de quebrar o sigilo telefônico da mansão do lobby e das festas, promete alimentar a fogueira que queima aos pés do ex-ministro.
E não serão apenas os prováveis telefonemas feitos a partir da casa da embaixada da República de Ribeirão Preto em Brasília para números suspeitos que vão esquentar o ambiente. Também nesta quinta, a CPI quebrou mais uma vez os sigilos bancário, fiscal e telefônico do empresário Roberto Carlos Kurzweil, o amigo do ex-ministro que é dono do avião usado algumas vezes por Palocci e também do carro que teria sido usado para transportar os tais dólares que Cuba teria enviado ao PT.
É por aí e pelas ligações de Kurzweil com bingueiros — ele é sócio de dois angolanos na empresa de telefonia Cincotelecom — que as chamas que lambem o corpo e a reputação de Palocci podem acabar chamuscando também Lula. Nada que acenda o fogo do impeachment, visto que há bombeiros demais na oposição, temerosa de enfrentar eventual clamor do público que ainda crê no presidente e no PT. Algum suadouro, porém, todo esse calor pode causar.
O que surpreende nisso tudo é como Palocci, que era incensado até por seus adversários como a âncora da estabilidade e do governo Lula, pôde descer tão fundo no inferno dantesco que se tornou a administração petista e seu entorno. José Dirceu caiu, mas preservou certa aura de respeitabilidade. Foi convidado para passar o Réveillon com Paulo Coelho, o escritor mais vendido no país e um de seus rostos mais famosos, e tornou-se até colunista de jornal. Palocci, sempre visto como um homem mais urbano e agradável que o “comandante Dirceu”, amarga um exílio completo. Vai suportar o fogo sem gritar? Trotskista disciplinado que é, talvez sim.
Fonte: primeiraleitura.com.br
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário