segunda-feira, dezembro 18, 2006
Conexões do Brasil remoto com o Chile de Pinochet
O destino foi generoso com Augusto Pinochet. Proporcionou-lhe, aos 91, uma morte suave. De quebra, facultou ao velho ditador provar que guardava nos fundões de seu organismo um órgão que, imaginavam todos, ele não possuía: o coração. Por uma dessas ironias da existência, Pinochet foi ao forno crematório nas pegadas de um infarto do miocárdio. Partiu antes da conclusão dos processos judiciais que lhe pesavam sobre os ombros. Uma pena.
Num instante em que ainda soam nas profundezas do inferno as trombetas reservadas à recepção dos grandes titãs do mal, convém lembrar que o Brasil não esteve imune aos tentáculos da ditadura chilena, de triste memória. Comece-se por evocar uma descoberta do cinéfilo Amir Labaki.
Organizador do 9º Festival Internacional de Documentários, ocorrido em 2004, Labaki desencavou dois preciosos minutos de um filme da jornalista francesa Marie-Minique Morin. Chama-se “Esquadrões da Morte-Escola Francesa”. O trecho pescado pela perspicácia de Labaki traz um depoimento do general chileno Manuel Contreras, chefe da engrenagem de moer “subversivos” montada sob Pinochet –a temível DINA.
No depoimento a Morin, Contreras revelou que mandava ao Brasil, em periodicidade bimestral, oficiais da repressão chilena. Para quê? Vinham à busca de treinamento. Passavam pela ESNI (Escola Nacional de Informações), em Brasília. E, antes de retornar a Santiago, faziam escala em Manaus. Ali, bebiam dos ensinamentos de um centro de treinamento militar.
Contreras disse mais: entre os “professores” do curso brasileiro estava o general francês Paul Aussaresses. Vem a ser um veterano da batalha de Dien Bien Phu, no Vietnã. Graduara-se em tortura impondo suplícios a argelinos. Servira como adido militar no Brasil no período de 73 a 75.
Recomenda-se ainda a quem queira saber mais sobre as (boas) relações da ditadura brasileira com a máquina de atrocidades chilena a leitura de “A Ditadura Derrotada”, de Elio Gaspari. O Chile de Pinochet é mencionado à altura da página 352. Ali, recorda-se que a primeira viagem de Pinochet depois de derrubar Salvador Allende, em 11 de setembro de 73, foi ao Brasil. Veio para a posse de Ernesto Geisel.
Gaspari conta também que José Serra, ex-presidente da UNE, era um dos brasileiros que engrossavam a legião de 7.000 pessoas confinadas pelos golpistas no Estádio Nacional de Santiago, o mesmo em que Garrincha ganhara a Copa de 62. Serra deve sua liberação, dois dias depois de preso, a gestões de um embaixador sueco junto ao major responsável pela triagem. Mercê da generosidade e da descoberta de uma até então desconhecida simpatia pela esquerda, o tal major, Ivan Lavanderos, seria passado nas armas mais tarde. Serra contou que, antes de deixar o famigerado estádio, notou a presença de carcereiros que se expressavam em bom português.
Gaspari revela também uma constrangedora página da diplomacia brasileira. Escreve: “As embaixadas que recebiam perseguidos estavam lotadas. Na do Panamá, um pequeno apartamento, entraram 364 asilados. O embaixador panamenho estendeu a extraterritorialidade de sua representação à casa do economista Theotonio dos Santos, protegendo dezenas de brasileiros. No palacete da Argentina, havia 700 asilados, 120 eram brasileiros. Na do Brasil, ninguém. Chefiava-a o embaixador Antônio da Câmara Canto (...).”
Anota ainda o livro de Gaspari: Pinochet associava Câmara Canto ao comportamento da diplomacia brasileira no dia do golpe: “Ainda estávamos disparando, quando chegou o embaixador e comunicou-nos o reconhecimento. Washington, informa o repórter, só reconheceria a ditadura chilena 13 dias depois. “No meio da tarde do dia 11, Câmara Canto festejava atendendo o telefone com a notícia: ‘Ganhamos’. Era um golpista militante.”
Fonte: blog josias de souza
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