11/11/2008
Mudança de era?
Mudança de era?
Uma das discussões fundamentais entre intelectuais e historiadores sobre esta eleição americana é se ela constitui uma eleição de realinhamento, como são chamadas as escolhas que inauguram uma nova era ideológica no país, independentemente de o presidente de turno ser democrata ou republicano.
Para ficar só no século 20 e neste, o consenso entre historiadores é que a eleição de Franklin Delano Roosevelt em 1932 inaugurou uma "era liberal (progressista)", em que o governo teve papel ativo para garantir direitos sociais e civis. Essa era durou grosso modo até 1968, quando, como já citei aqui, Richard Nixon venceu um Partido Democrata dividido apelando para a "maioria silenciosa", majoritariamente branca, sulista e socialmente conservadora.
A "era conservadora" se consolidou com a eleição de Reagan, em 1980, e incluiu o governo de Bill Clinton _que obviamente não era um conservador social como George W. Bush, mas endossou, com sua Terceira Via, muitos dos paradigmas econômicos conservadores, como a liberalização financeira e a redução do Estado de bem-estar.
Pois hoje dois artigos muito bons discutem se a eleição de Obama vai inaugurar uma nova era. O primeiro, longo e excelente (imprimam para ler com calma), é de George Packer e foi publicado na edição desta semana da "New Yorker".
Packer começa citando Roosevelt e sua visão de que, em meio à Grande Depressão, os Estados Unidos precisavam de um líder "cujos interesses não fossem especiais mas gerais, alguém que entendesse e tratasse o país como um todo", e que não fosse "nem conservador nem radical". Que fosse, na definição dele, "liberal", que "reconhecesse a necessidade de novos mecanismos, mas também trabalhasse para controlar o processo de mudanças, a fim de que o rompimento com o padrão antigo não fosse muito violento".
Packer prossegue então dizendo que, pela primeira vez desde Lyndon Johnson (sucessor de Kennedy e antecessor de Nixon), na campanha deste ano "a idéia de que o governo deve adotar ações incisivas para criar oportunidades iguais para todos os cidadãos não teve que ser explicada em murmúrios defensivos". Discute, depois, se Barack Obama estará à altura do desafio histórico de consolidar "um novo liberalismo", lembrando que, na campanha, houve dois Obamas, o "progressista" e o "pós-partidário".
"Existe alguma tensão entre essas duas abordagens", escreve Packer, "e ele terá que reconciliar as duas se quiser cumprir a ambição de trazer mudança para este país".
O outro artigo é de Jay Cost, analista do site Real Clear Politics. Mais atento aos mapas do Colégio Eleitoral produzidos por eleições desde o século 19, Cost questiona primeiro a própria noção de eleição de realinhamento e conclui que, mesmo que a idéia esteja correta, os números da eleição de Obama não chegaram nem perto de produzir a virada política que ficou clara, por exemplo, no mapa americano pós-Roosevelt, em 1932.
Eu acho, de todo modo, que é cedo demais para dizer se um realinhamento político nos Estados Unidos vai ser duradouro. Mas não tenho dúvidas de que, muito por causa da crise econômica, esta campanha representou sim a derrota da era conservadora.
Claro que a coalizão que elegeu Obama não é homogênea, e seu governo vai ser julgado a partir de suas escolhas de que interesses vai privilegiar. Tenho ainda menos ilusões a respeito da política externa de um governo Obama do que a respeito da política interna. Mas, como diz o filósofo esloveno Slavov Zizek em artigo publicado no domingo no caderno "Mais" da Folha, por mais que você seja cético, as palavras importam e são importantes sinais dos tempos.
Para ficar só no século 20 e neste, o consenso entre historiadores é que a eleição de Franklin Delano Roosevelt em 1932 inaugurou uma "era liberal (progressista)", em que o governo teve papel ativo para garantir direitos sociais e civis. Essa era durou grosso modo até 1968, quando, como já citei aqui, Richard Nixon venceu um Partido Democrata dividido apelando para a "maioria silenciosa", majoritariamente branca, sulista e socialmente conservadora.
A "era conservadora" se consolidou com a eleição de Reagan, em 1980, e incluiu o governo de Bill Clinton _que obviamente não era um conservador social como George W. Bush, mas endossou, com sua Terceira Via, muitos dos paradigmas econômicos conservadores, como a liberalização financeira e a redução do Estado de bem-estar.
Pois hoje dois artigos muito bons discutem se a eleição de Obama vai inaugurar uma nova era. O primeiro, longo e excelente (imprimam para ler com calma), é de George Packer e foi publicado na edição desta semana da "New Yorker".
Packer começa citando Roosevelt e sua visão de que, em meio à Grande Depressão, os Estados Unidos precisavam de um líder "cujos interesses não fossem especiais mas gerais, alguém que entendesse e tratasse o país como um todo", e que não fosse "nem conservador nem radical". Que fosse, na definição dele, "liberal", que "reconhecesse a necessidade de novos mecanismos, mas também trabalhasse para controlar o processo de mudanças, a fim de que o rompimento com o padrão antigo não fosse muito violento".
Packer prossegue então dizendo que, pela primeira vez desde Lyndon Johnson (sucessor de Kennedy e antecessor de Nixon), na campanha deste ano "a idéia de que o governo deve adotar ações incisivas para criar oportunidades iguais para todos os cidadãos não teve que ser explicada em murmúrios defensivos". Discute, depois, se Barack Obama estará à altura do desafio histórico de consolidar "um novo liberalismo", lembrando que, na campanha, houve dois Obamas, o "progressista" e o "pós-partidário".
"Existe alguma tensão entre essas duas abordagens", escreve Packer, "e ele terá que reconciliar as duas se quiser cumprir a ambição de trazer mudança para este país".
O outro artigo é de Jay Cost, analista do site Real Clear Politics. Mais atento aos mapas do Colégio Eleitoral produzidos por eleições desde o século 19, Cost questiona primeiro a própria noção de eleição de realinhamento e conclui que, mesmo que a idéia esteja correta, os números da eleição de Obama não chegaram nem perto de produzir a virada política que ficou clara, por exemplo, no mapa americano pós-Roosevelt, em 1932.
Eu acho, de todo modo, que é cedo demais para dizer se um realinhamento político nos Estados Unidos vai ser duradouro. Mas não tenho dúvidas de que, muito por causa da crise econômica, esta campanha representou sim a derrota da era conservadora.
Claro que a coalizão que elegeu Obama não é homogênea, e seu governo vai ser julgado a partir de suas escolhas de que interesses vai privilegiar. Tenho ainda menos ilusões a respeito da política externa de um governo Obama do que a respeito da política interna. Mas, como diz o filósofo esloveno Slavov Zizek em artigo publicado no domingo no caderno "Mais" da Folha, por mais que você seja cético, as palavras importam e são importantes sinais dos tempos.
Fonte: folha online
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