CARACAS
Viver em Caracas é... ver o canal 8, a TV estatal, eternamente. Ao menos se você é jornalista.
Como diria um amigo que me visitou, o canal 8 é uma espécie de instalação de museu na minha sala; A TV nunca está desligada, e sempre há um jingle socialista ou algum anúncio do governo Chávez.
Por que acontece? Porque a cobertura jornalística na Venezuela tem suas idiossincrasias: é o governo na televisão. Agora há pouco, já noite avançada desta terça-feira, o presidente Hugo Chávez falou ao vivo na TV pela terceira vez no dia. E essa é a principal fonte de notícia.
Agora, que ele está recebendo tratamento para câncer, as entradas são telefônicas. De todo modo, a regra não muda. Os ministros, mais que dotes de gestão, tem de saber noções de transmissão ao vivo de TV, caminhar ao lado das câmeras e tascar ao final: "Adelante, Presidente". O "adelante" é a versão local de "É com você, Fátima", que um repórter do "Jornal Nacional" diria.
Meu tema neste post, porém, é um dos programas mais emblemáticos do canal 8, o "Dossier".
Na primeira semana na Venezuela, e já com a TV no canal 8 obviamente, uma música vibrante e sombria _algo como a da abertura do "Globo Repórter"_ me chamou atenção. Então, apareceu na tela um homem de tapa-olho. De terno e tapa-olho, contracenando com um "chroma key" que o projetava em escala natural ao lado da imagem de Hillary Clinton ou Vladimir Putin.
O homem do tapa-olho é o veterano jornalista uruguaio Walter Martínez, mais de três décadas de carreira e quase 20 anos de TV estatal (é anterior à era Chávez).
Ele é ex-correspondente de guerra, adora citar detalhes dos armamentos ou apontar devios de protocolo diplomáticos. Apoia o governo, ataca por vezes jornalistas críticos e tem seus assuntos de obsessão e predileção. Em 2005, ele bateu de frente com o a cúpula chavista porque lhe foi negada uma vaga na equipe que cobriria a Assembleia Geral da ONU naquele ano. Ele criticou a corrupção no chavismo e até as condições de trabalho no canal. Foi tirado do ar. Meses depois, tudo foi contornado. Chávez costuma recomendar o programa, cujo outro fã famoso seria Fidel Castro ("Dossiê" também é transmitido pela rede Telesul).
O programa, sem dúvida, tem momentos e vídeos interessantes. Mas é o mistério do tapa-olho _não se menciona sua origem, se um acidente de trabalho em área de risco ou algo sem qualquer relação_ e os enormes bordões do programa fazem dele pop. Pelo menos acho eu, um par de amigos jornalistas e o anômimo que fez o stencil que ilustra esse post, encontrado numa rua do centro de Caracas.
Martínez sempre começa o programa dizendo que a "nossa querida, contaminada e única nave espacial deu outra volta em torno do seu eixo imaginário" e que ele contará, então, "o pleno desenrolar dos acontecimentos" ou a "pequena grande história das últimas 24 horas". "Disponha das câmeras, senhor diretor", encerra ele, e caminha rumo à tela no estúdio semi-iluminado.
Aqui um par de links para que deem uma olhada.
http://www.vtv.gov.ve/index.php?option=com_content&view=article&id=60911:toda-venezuela&catid=63&Itemid=111
http://dossier-1.blogspot.com/search/label/dossier
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