11/09/2011
Na manhã de 11 de setembro de 2001, o inverno de Brasília e o verão de Nova York tinham em comum um belo céu azul e ensolarado. No caminho para a sucursal da Folha, recebi um telefonema de Eliane Cantanhêde, colunista do jornal. Ela me aconselhou a correr para a redação porque os Estados Unidos estavam sofrendo atentados terroristas.
Na segunda-feira, véspera dos atentados, havia feito uma entrevista exclusiva com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, guardada para publicação no domingo. Mas a conversa com FHC virara notícia velha antes de ser impressa.
Preponderava na redação aquela agitação que marca os grandes acontecimentos, aquela atmosfera que faz do jornalismo a profissão mais interessante do mundo. Marta Salomon, chefe encarregada de distribuir as pautas do dia, estava a mil por hora. Em poucos segundos, entrei no mesmo ritmo.
Para diminuir a ansiedade e sonhando torná-la produtiva, desci do oitavo andar para a lanchonete no térreo. Pedi um copo cheio de uísque. Subi e dividi o caubói com Marta.
Ao longo do dia, as notícias se mostrariam inacreditáveis. A queda da primeira torre e tudo o que aconteceu logo depois entraram para a história. De impulso, disse a Marta e ao diretor da sucursal, Valdo Cruz, que gostaria de ir para o Afeganistão, país que abrigaria os mentores de um ataque ao território dos EUA numa dimensão só vista em Pearl Habor.
Numa primeira impressão, escrevi uma coluna na saudosa Folha Online defendendo que os mulçumanos não fossem demonizados. A Al Qaeda, com suporte do Taleban, já era apontada como a provável responsável. Para minha sorte, o jornal aceitou o pedido que mudaria a minha vida.
Depois do Kosovo e da Sérvia (1999), eu seria enviado especial para uma segunda cobertura de guerra. Foi o trabalho mais intenso, assustador e educativo que tive. Viajei pelo Paquistão e o Afeganistão, com rápidas passagens pelo Irã e o Tadjiquistão. O resultado está no acervo da Folha. De vez em quando, releio o que vivenciei e relatei para acreditar que estive lá mesmo.
No Afeganistão, embalado por uma dose de etnocentrismo e por momentos de dificuldade que me fizeram imaginar que talvez não voltasse para casa, dei graças aos deuses por ter nascido num país da periferia da civilização ocidental.
Os rebeldes da Aliança do Norte eram mais corruptos do que o Taleban e apenas um pouco menos opressores das mulheres. A miséria afegã, diferente mas intensa como a pior em nosso país, era dura de testemunhar ao vivo e a cores. A tirania em relação às mulheres incomodava um repórter que tentava modernizar os valores da criação na tradicional família mineira.
Os sentimentos negativos sobre o Afeganistão foram e ainda são fortes. No entanto, nunca me levaram a considerar acertada a invasão daquele país. Tento compreendê-la no contexto do calor dos acontecimentos. Não encontro, porém, uma justificativa que a torne moralmente defensável. Tampouco acho que seja favorável o balanço da influência planetária do 11 de Setembro.
Os EUA e sua estratégia de combate ao terrorismo mudaram o mundo para pior. Nas guerras do Afeganistão e do Iraque, pelo menos duas centenas de milhares de inocentes se somaram aos milhares de americanos assassinados em 11 de Setembro. Houve regressão no respeito aos direitos humanos. Cresceu o sentimento antiamericano nos cinco continentes. A maior democracia do mundo transformou a tortura numa política de Estado. Ao iniciar duas guerras, Washington gastou cerca de US$ 2 trilhões e descuidou de sua saúde econômica. Certa islamofobia começa a diminuir somente agora, com a Primavera Árabe. Como aconteceu no Iraque, o interesse em reservas de petróleo norteia as decisões dos EUA e da Europa a respeito de quais ditaduras devem receber mais bombas aéreas do que outras.
É honesto reconhecer vitórias pontuais. Por uma década, os EUA evitaram um atentado em seu país, apesar do temor de que novos ataques possam ocorrer. Transferir as batalhas para solo estrangeiro foi uma escolha típica de manual de guerra. Sai em vantagem quem escolhe o terreno da peleja. A morte de Bin Laden serviu como vingança enfim realizada.
Liberto por uma hora e meia do viciante universo online e da útil prisão dos celulares, o que a gente só consegue nos voos que se tornaram mais seguros e mais chatos, decidi fazer uma reflexão sobre o 11 de Setembro sem consulta recente aos arquivos do jornal e às anotações pessoais. Isso traz risco de imprecisões, mas serve como um exercício para garimpar o que a memória achou por bem guardar. É uma tentativa de ver em perspectiva as primeiras impressões e de redescobrir o que aprendi com uma experiência marcante.
O saldo é otimista. Antes que os fatos me contradigam, o mundo vem dando sinais de que voltou a melhorar. Aprendi que os meus problemas de 10 anos atrás não existiam ou eram bem menos importantes do que imaginava. Nem sempre consigo, mas procuro enxergá-los hoje do mesmo jeito. É um bom legado daqueles dias.
Kennedy Alencar
Fonte: folha online
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