Cármen Lúcia, ministra do STF, a primeira mulher a usar calças compridas durante uma sessão plenária da Corte (Lula Marques/Folhapress)
O julgamento de Lindemberg Alves, condenado pelo assassinato de Eloá Pimentel, foi caracterizado por episódios singulares – como a revelação de passagens inéditas do mais longo cárcere privado da história policial de São Paulo, a sentença estabelecida em 98 anos e 10 meses e a atuação espalhafatosa de Ana Lúcia Assad, advogada de defesa. Um dos mais marcantes foi a presença de três mulheres no elenco de protagonistas do espetáculo: a promotora Daniela Hashimoto, a juíza Milena Dias e, naturalmente, a própria Ana Lúcia. Tal cena, rigorosamente inviável há poucas décadas, é cada vez mais comum.
Embora ainda minoritária, a participação feminina cresce em todas as áreas do direito. Segundo a cientista política da Universidade de São Paulo (USP) Maria Tereza Sadek, pesquisadora senior do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, até o fim dos anos 1960, 2,3% dos magistrados eram mulheres – número que subiu para 11% no começo da década de 1990. Hoje, o percentual resvala em 30%.
É justamente entre os magistrados que a minoria feminina é mais perceptível. Apesar de a primeira juíza brasileira, Thereza Grisólia Tang, ter estreado nos tribunais de Santa Catarina em 1954 (veja lista abaixo), esse terreno ainda é árido para as mulheres. Ellen Gracie, a primeira ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), revela que quando se formou pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1970, não podia nem se inscrever em concursos para a magistratura. “Não era uma recusa formal”, conta a ministra, que se aposentou em agosto de 2011. “Preenchíamos os formulários e eles simplesmente eram descartados, sem maiores explicações”.
Maria Berenice Dias, primeira desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, passou pelas mesmas dificuldades. “Até 1973, todas as inscrições feitas por mulheres eram previamente negadas”, afirma. “Na minha época, tivemos que brigar para que as provas não fossem identificadas. Na entrevista de admissão, o desembargador chegou a perguntar se eu era virgem”. Ainda hoje, mesmo no STF, as magistradas precisam vencer obstáculos.
Durante o julgamento sobre a validade da Lei Maria da Penha, em fevereiro deste ano, a ministra Cármen Lúcia desabafou: "Às vezes acham que juíza desse tribunal não sofre preconceito. Mentira, sofre! Há os que acham que isso aqui não é lugar de mulher, como uma vez me disse uma determinada pessoa sem saber que eu era uma dessas." Cármem Lúcia foi a primeira mulher que ousou vestir calças compridas durante uma sessão plenária da Corte – e isso foi em 2007.
Maria Tereza atribui essa disparidade entre os sexos ao conservadorismo. "Na defensoria pública, por exemplo, que é uma instituição mais recente, encontramos mais mulheres do que homens advogando em alguns estados”, diz. “No Ministério Público, a porcentagem feminina varia entre 40% a 50%."
Defensoria Pública - De acordo com estudo publicado em 2009 pela Defensoria Pública da União, as mulheres já são maioria no Pará, no Paraná, em Roraima e no Tocantins. Na Defensoria Pública Estadual, a presença feminina é maior na Bahia, no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Paraná. Em números gerais, 50,1% dos defensores públicos estaduais são do sexo masculino, enquanto os da União somam 65,4%.
Ao mesmo tempo em que é uma instituição mais feminina que as demais áreas do direito, a Defensoria Pública também é uma das mais jovens. A média de idade dos defensores públicos da União é de 32 anos – e de 39 anos nas defensorias públicas Estaduais. Na magistratura, a média é 49 anos.
No Ministério Público da União (MPU), os números também são animadores. Dos 623 integrantes do Ministério Público Federal (MPF), 42,37% são mulheres. No Ministério Público do Trabalho (MPT), elas representam 49,37% dos 725 procuradores. Surpreendentemente, uma das duas subdivisões do MPU que têm mulheres no cargo mais alto é o Ministério Público Militar (MPM). Embora só 36,98% dos membros do MPM sejam do sexo feminino, Cláudia Márcia Ramalho Moreira Luz é a quarta mulher seguida a assumir o cargo de procuradora-geral de Justiça Militar. No Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), a procuradora-geral de Justiça é Eunice Pereira Carvalhido.
Consequências - Com o aumento da participação feminina, o Poder Judiciário tende a se transformar. "A mulher traz mudanças significativas para a magistratura", acredita Sérgia Miranda, desembargadora do Tribunal de Justiça do Ceará e presidente da Secretaria da Mulher Magistrada da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). "Essa diferença pode ser notada principalmente na forma de aplicação da lei. A mulher é mais humanista".
Para Ellen Gracie, as transformações não ocorrem de uma hora para outra, mas já existem mudanças visíveis, principalmente nas questões relacionadas ao direito de família. "A mulher tem uma visão mais sensível para esse tipo de assunto", afirma a ministra, que se aposentou recentemente.
Se até o começo do século XXI não havia mulheres entre os onze ministros do STF, hoje há duas. Dos sete ministros titutlares do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dois são mulheres. Entre os 689.927 advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), as mulheres correspondem a 44,83% (309.349). Apesar de nenhum estado brasileiro ter mais advogadas, essa realidade tende a mudar nos próximos anos: as mulheres já são maioria em grande parte dos cursos de direito.
"Infelizmente, ainda são poucas as mulheres que ocupam os cargos mais altos nos tribunais, mas acredito que seja apenas uma questão de tempo até que esse quadro mude", observa Sérgia. "Muitas promoções são feitas pelo critério de antiguidade e os homens ainda encabeçam a maioria das listas neste ponto".
Ellen Gracie é a prova de que as mudanças estão chegando a galope. Nomeada em 2000 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, a primeira mulher a integrar o STF afirma que não sofreu preconceito dos colegas. “Não cheguei a me sentir intimidada, porque havia estudado ou sido aluna de alguns dos ministros", conta. "Mas sentia que me tratavam com polidez excessiva. Era algo estranho para eles".
Para a ministra, "é uma questão de tempo até que o equilíbrio absoluto seja alcançado”. Ela fala por experiência própria. Em menos de quatro décadas, Ellen Gracie, que quando se formou não pode nem se inscrever em concursos para a magistratura, chegou à presidência da instância máxima da Justiça do país.
A juíza Ellen Gracie Northfleet foi a primeira mulher a se tornar ministra do Supremo Tribunal Federal, em 2000. Nomeada pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, Ellen presidiu o STF e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entre 2006 e 2008. Ao longo de dez anos e meio, proferiu cerca de 30.000 decisões e foi vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral. A ministra poderia continuar no tribunal até 2018, mas em 2011, aos 63 anos, pediu a aposentadoria e foi substituída pela ministra Rosa Weber.
Uma das duas atuais representantes femininas no Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Carmen Lúcia inovou, em 2007, ao ser a primeira a usar calças compridas durante uma sessão plenária da Corte. Mais recentemente, a ministra não escondeu sua experiência pessoal durante o julgamento da Lei Maria da Penha: “Às vezes acham que juíza desse tribunal não sofre preconceito. Mentira, sofre! Há os que acham que isso aqui não é lugar de mulher, como uma vez me disse uma determinada pessoa sem saber que eu era uma dessas”.
Em 2009, Deborah Duprat entrou para a história como a primeira mulher a comandar a Procuradoria-Geral da República, cargo máximo de representação do Ministério Público Federal. A sub-procuradora-geral assumiu interinamente o cargo durante 22 dias, período correspondente à transição entre Antonio Fernando Souza e Roberto Gurgel. Apesar de rápida, a atuação de Deborah nas sessões do Supremo Tribunal Federal foi intensa, marcada pelo desengavetamento da ação sobre o aborto de fetos anencéfalos e pelo ajuizamento de outros processos polêmicos, como a Marcha da Maconha e a união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Maria Berenice Dias foi a primeira mulher a se tornar juíza no Rio Grande do Sul, em 1973. Vinte e cinco anos depois, foi também pioneira no estado como desembargadora do Tribunal de Justiça, onde ficou conhecida por decisões relacionadas aos direitos da mulher e das minorias, especialmente dos homossexuais. Em 2008, aposentou-se da magistratura para abrir um escritório de advocacia especializado em direito homoafetivo. É também presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
A baiana Luislinda Dias Valois dos Santos foi a primeira mulher negra a se tornar juíza no Brasil, em 1984. Reconhecida por lutar contra o preconceito racial, foi a primeira juíza no país a proferir uma sentença contra o racismo. Aos 69 anos, foi promovida no fim de 2011, pelo critério de antiguidade, ao cargo de desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia.
A juíza fluminense Patrícia Acioli, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, ficou conhecida pela atuação rigorosa contra o crime organizado na região. Em agosto de 2011, o assassinato brutal da magistrada, de 44 anos, chocou o país. Onze policiais militares foram acusados de participar da morte de Patrícia, atingida por 21 tiros quando chegava em casa.
Thereza Grisólia Tang foi a primeira mulher a tornar-se juíza no Brasil, ingressando na magistratura de Santa Catarina em 1954. Ela permaneceu como a única mulher do judiciário de Santa Catarina por quase vinte anos. Thereza foi presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e também do Tribunal Regional Eleitoral (TER) do estado. Faleceu em 2009, aos 87 anos.
A advogada Esther de Figueiredo Ferraz entrou na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco em 1940 e se tornou a primeira mulher a lecionar na instituição. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a advogada foi pioneira ao escolher sua especialidade, o Direito Criminal, espaço predominantemente masculino. Foi também a primeira reitora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 1965. Em 1982, tornou-se a primeira mulher a ocupar um ministério no Brasil, assumindo a pasta da Educação no governo do general João Figueiredo. A advogada faleceu em 2008, aos 93 anos.
Em 1902, Maria Augusta Saraiva foi a primeira mulher a se tornar bacharel pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Depois de formada, exerceu a profissão em escritórios de advocacia, atuando também na área criminal. Maria Augusta Saraiva faleceu em São Paulo no dia 28 de setembro de 1961, aos 82 anos. A ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP) criou um prêmio que leva o seu nome, para homenagear as mulheres na profissão.
Amélia Duarte foi a primeira mulher a fazer parte do Ministério Público. Hoje, dos 623 membros do Ministério Público Federal (MPF), 42,37% são mulheres. Atualmente, duas subdivisões do Ministério Público da União têm mulheres no cargo mais alto: No Ministério Público Militar (MPM), Cláudia Márcia Ramalho Moreira Luz é a quarta mulher seguida a assumir o cargo de procuradora-geral de Justiça Militar. No Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), a procuradora-geral de Justiça é Eunice Pereira Carvalhido.
Fonte: veja online
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