Maurício Savarese
Do UOL, em Brasília
Por unanimidade, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou uma proposta para que parlamentares possam intervir em decisões da Justiça. Para especialistas ouvidos pelo UOL, essa é uma reação após seguidas decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) classificadas como “ativismo judicial”, como a interrupção da gravidez de bebês anencéfalos e a união estável entre pessoas do mesmo sexo.
A PEC (proposta de emenda à constituição) do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI) visa deixar claro que o Congresso Nacional pode derrubar normas que “excedam o poder regulamentar” ou “limites da delegação legislativa”. O texto ainda precisa tramitar em uma comissão especial e, se aprovado, ser submetido ao plenário. Se superar todos esses passos, precisa ainda da aprovação do Senado.
O relator da proposta na CCJ, Nelson Marchezan (PSDB-RS), diz que a ideia é lidar com atividades “atípicas” da Justiça, o que não afetaria questões “estritamente jurisdicionais, como sentenças. A sugestão tem sido apoiada principalmente pela bancada evangélica, depois de o Supremo tomar decisões que contrariam preceitos religiosos.
“Alertei a isso desde o ano passado. Mais cedo ou mais tarde o Congresso iria reagir, na mesma medida em que o Supremo atua em funções do Legislativo”, disse o constitucionalista Ives Gandra Martins. “Para mim nem seria necessário, já existe na Constituição um mecanismo para isso. O que os legisladores estão querendo é uma medida mais dura, em especial depois da decisão dos anencéfalos”, afirmou.
Para Gandra Martins, a Câmara pode aprovar o mecanismo de acordo com o artigo 49, inciso 11 do texto constitucional, atribuindo aos parlamentares o dever de “zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”. “Eles têm de ocupar o seu espaço e essa medida é claramente isso.”
Advogado de várias causas polêmicas que passaram pelo Supremo recentemente e professor titular da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Luis Roberto Barroso afirma que “é legítima a aspiração do Congresso de retomar seu espaço”, mas duvida que a votação da comissão da Câmara chegue às etapas finais. “Só uma Assembleia Constituinte poderia mudar isso”, disse ele.
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux criticou nesta quinta-feira (26) a decisão da CCJ. "A instância reflexiva do poder Judiciário só se instala quando há uma inação do Parlamento", disse Fux durante o julgamento sobre cotas raciais em universidades públicas.
Modelos
Segundo Barroso, há dois modelos de constitucionalismo: um no qual o Parlamento tem a maior força (como acontece no Reino Unido) e outro com base em um texto legal, caso dos Estados Unidos. “O Brasil após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) claramente adota o padrão norte-americano. Se essa PEC vigorasse, afetaria toda a concepção estrtutural que temos, com o Supremo dando a palavra final. É de difícil constitucionalidade”, avaliou.
“Em todo o mundo, quando há decisões da mais alta corte em temas polêmicos, ocorrem essas críticas de ativismo judicial. Em algumas questões até é possível detectar isso. Mas não somos diferentes do resto do mundo”, afirmou Barroso. “As polêmicas nem sempre são decididas no Legislativo, que às vezes emperra. Como o problema ocorre na vida real, ao Judiciário só cabe resolver. O Legislativo não se fortalece mudando isso.”
Marcelo Semer, ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD), acredita que “o Legislativo está se sentindo um pouco superado” porque “muitos desses casos polêmicos poderiam ter sido resolvidos lá”. “Mas o ativismo do Judiciário vai continuar acontecendo quando estiver ligado à proteção do direito individual”, afirmou. “Se essa PEC prosperar na Câmara, o Supremo vai barrar com a premissa da separação de poderes.”
Segundo ele, “o legislador não é soberano”, embora sua vontade expressa na redação das leis deva ser respeitada. “O último intérprete é o Supremo. Os parlamentares sabem disso. Por isso acredito que essa medida tenha mais caráter demagógico e de mostrar que existe uma resposta sendo preparada do que de algo que realmente venha a acontecer.”
Fonte: uol noticias
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