quarta-feira, março 02, 2011

Fernando Canzian

As múmias se mexem
31/01/2011
O gênio político Sandro Mabel (PR-GO), dono das bolachas Mabel (classe C) e candidato a presidir a Câmara dos Deputados, deu a seguinte declaração (vazada sem que ele soubesse) há algumas semanas sobre o aumento do salário mínimo, ainda não decidido pelo governo Dilma:
"Eu sempre sou a favor que se suba o salário mínimo, mas acho que tem que existir sempre uma dosagem. Quanto mais [eles têm], mais exigentes eles ficam. Eles querem mais coisas. Então tem que tomar cuidado", disse o deputado.
Os acontecimentos dos últimos dias em um dos maiores países do mundo árabe, o Egito, pode ser resultado dessa lógica explicitada pela simplicidade mau caráter de Mabel.
O fato é que os egípcios finalmente se manifestam contra uma ditadura de quase 30 anos, que manipula seguidamente eleições e tolhe a liberdade política no país.
O Egito segue o mesmo roteiro de inconformidade e protestos (embora em proporções bem maiores) de outros países da região, como Argélia, Líbia, Jordânia e Iêmen.
Na Tunísia, os protestos populares foram suficientes para derrubar há duas semanas o ditador Zine Ben Ali, que se mantinha no poder há 23 anos.
Foi a Tunísia, aliás, que literalmente pôs fogo no mundo árabe. Ben Ali caiu após protestos que se seguiram à auto imolação com gasolina e fogo de um camelô agredido por policiais após ter sua banca de frutas confiscada.
Longe do radar global, os países do norte da África vêm (assim como os ao sul do Saara) passando por transformações econômicas importantes nos últimos anos.
Na média, é uma das regiões mais dinâmicas do mundo. Isso não tem a ver somente com petróleo e bases comparativas muito baixas.
Mas com as atuais mudanças globais. Com grandes países consumidores como China, Índia e mesmo o Brasil aumentando necessariamente o volume de investimentos e comércio com a região. E com um amadurecimento de políticas macroeconômicas responsáveis.
O Egito cresce ao redor de 5% ao ano desde 2008. A Tunísia, perto dos 4%. Abaixo do Saara, a Nigéria e Angola devem crescer acima de 7% neste ano.
Embora o crescimento desses países seja agora constante, há dois aspectos relevantes sobre eles: desemprego e inflação seguem elevados, o que indica concentração da riqueza que vem sendo gerada; e existe uma tremenda falta de análises, estatísticas e números a respeito dessas economias, seja do FMI ou do Banco Mundial.
Algo de muito novo e relevante ocorre por ali.
Mas, tirando as análises geopolíticas do século passado, quase nada sabemos sobre isso.
Fonte:folha online

Charge

Clóvis Rossi

O fantasma de Bin Laden
24/02/2011
No desespero por agarrar-se ao poder, o ditador líbio Muammar Gaddafi pôs na roda o fantasma de Bin Laden, culpando-o pela revolta em seu país. Bin Laden estaria colocando pílulas alucinógenas no café da manhã da juventude líbia, para levá-la a rebelar-se contra pais, mães, o próprio Gaddafi, o país.
É claro que se trata de pura loucura de um ditador delirante. Delira faz tempo aliás.
Mas o fantasma é igualmente invocado por personalidades de responsabilidade no mundo que de loucas nada tem, pelo menos que se note.
É o caso, por exemplo, de Franco Frattini, ministro italiano do Exterior, que, em depoimento ao Parlamento, na quarta-feira, disse que estava preocupado com a hipótese do surgimento de "um emirato islâmico" na Líbia oriental, incluindo a região cirenaica, que é o epicentro da rebelião.
"Emirato islâmico" é uma espécie de codinome para não usar a palavra Al Qaeda ou o nome do terrorista mais buscado do planeta.
É razoável imaginar a possibilidade de surgir, às portas da Europa, algo parecido com o que foi o Afeganistão na época dos talebans?
Minha primeira resposta é a mesma de Paul Kennedy, um dos historiadores mais celebrados do planeta e diretor de Estudos de Segurança Internacional da Universidade de Yale: "Realmente não sei o que pensar de tudo isso e qualquer um que acha que conhece de modo indiscutível o futuro do mundo é um charlatão".
De pleno acordo, Paul. Vale, inclusive, para as previsões sobre economia, no Brasil e no mundo.
Feita essa ressalva essencial, saio à busca de outras respostas, de pessoas que não se arrogam o direito de conhecer o futuro, mas estudam determinadas regiões e fazem suposições -- que é tudo o que se pode fazer nesta altura do campeonato.
Uma resposta mais ou menos consensual aponta para o fato de que a Líbia é completamente diferente do Egito. Não tem Forças Armadas com o porte e a experiência das egípcias, não tem uma sociedade civil mais ou menos organizada,, não tem partidos políticos. A rigor, não tem nem história longa, como lembra Elliott Abrams, pesquisador-sênior para Estudos do Oriente Médio do Council on Foreign Relations e ex-funcionário diplomático no governo George Walker Bush.
"Não houve realmente uma Líbia até, digamos, 1951, após a Segunda Guerra Mundial e a declaração de unidade do país pelo rei Idris" [deposto por Gaddafi há quase 42 anos].
Nesse vazio, tudo de fato pode acontecer.
Uma segunda característica líbia é o peso das tribos, sobre o qual, é bom ressalvar, há discordâncias entre os especialistas.
A propósito, o filho de Gaddafi, em seu discurso pela TV, disse que a Líbia não é o Egito e acrescentou: "A Líbia são tribos, clãs e alianças".
O clã Gaddaffi sempre confiou em sua tribo, a Qathathfa, pequena mas que forneceu parte das unidades militares que protegem o ditador.
Não há, de qualquer forma, uma avaliação sobre a penetração do islamismo nessas tribos, em especial na maior delas, a Wafalla, de 1 milhão de membros em um país de apenas 6,5 milhões de habitantes.
No geral, o mais extenso comentário sobre o islamismo radical na Líbia foi feito por Alia Brahimi, investigadora da London School of Economics, para o jornal "El País".
"O movimento islamita radical, que desafiou seriamente Gaddafi nos anos 90, foi esmagado pelo regime", diz ela.
Mas, acrescenta, "o regime tolerou seu trabalho social e, como resultado, a sociedade líbia se islamizou até certo ponto. Mas não creio que tenham uma massa crítica suficiente para que nos preocupemos agora", termina seu teorema.
Convém de todo modo lembrar que centenas de membros de organizações políticas e guerrilheiras islamitas, como o Grupo Islâmico Combatente Líbio, foram libertados nos últimos anos, em um esforço dito de "reconciliação nacional" do clã Gaddafi.
É um grupo mais presente no Oriente, exatamente o pedaço do país que já caiu nas mãos dos rebelados. Mas não é para confundir os rebeldes com os islamitas. "Ao contrário da revolta dos anos 90, que foi perpetrada pelos islamitas, a atual tem um respaldo social muito amplo", diz Brahimi.
Elliott Abrams, como ex-funcionário de um governo que lançou a chamada "guerra ao terror", teria todos os motivos para temer o radicalismo islâmico. Mas ele é o primeiro a dizer, em tele-entrevista coletiva organizada pelo Council on Foreign Relations, que não acha "que haja uma só tribo que se possa dizer que é vinculada a AlQaeda".
Qual a eventual alternativa para preencher o vazio deixado por Gaddafi? Para Abrams, há uma série de embaixadores, cuja competência ele atesta, mais tecnocratas, que poderiam formar a coluna vertebral de um governo de transição.
"O perigo - adverte - é haver dois ou três governos provisiórios, um em Bengasi [a cidade já controlada pelos rebeldes] e outros em Trípoli [a capital, ainda nas mãos de Gaddafi]".
Outro especialista também tem sua hipótese para preencher o vazio: uma coalizão de lideranças tribais, personalidades do Exército e "alguns indíviduos do regime mas de reputação limpa", diz Tim Niblock, professor de Política do Oriente Médio da Universidade britânica de Exeter.
Hipóteses otimistas mas que não convencem o historiador Paul Kennedy.
Escreve ele, sempre para "El País" :
"Que bonito seria pensar que o Oriente Médio poderia, sem grandes convulsões nem derramamento de sangue, mover-se para algo parecido ao Extremo Oriente, politicamente estável, abundantemente próspero. Esse dia poderia chegar, mas, se eu fosse jogador (e sou) apostaria claramente no contrário. A região árabe está mergulhada em um período de turbulências e o Ocidente talvez não escape de suas muitas e não planejadas consequências".
Termina em tom apocalíptico-cinematográfico: "Não pergunte por quem dobram os sinos, porque eles podem tocar por você".
Fonte: folha online

Clóvis Rossi

Democracia tem dono?
01/03/2011
É engraçado (ou triste, dependendo do gosto do freguês): os Estados Unidos e os países europeus ocidentais passaram a vida, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, dando sermões sobre a democracia, seus méritos e sua imperiosa necessidade, para o resto do planeta.
Bom, aí veio a onda de redemocratização na América Latina, nos anos 80. Em seguida, nos 90, na Europa Oriental e até na Rússia, ainda que o teor de democracia na Rússia seja no mínimo discutível.
Ficavam faltando, basicamente, países da Ásia, a África e o Oriente Médio praticamente inteiro, com a exceção de Israel, ainda que também aqui haja polêmica, mas não é o assunto de hoje.
Agora, por fim, países árabes começam a sentir os efeitos de uma gigantesca onda democrática, que já varreu duas ditaduras (Tunísia e Egito), sitiou outra (Líbia) e sopra também em vários países mais.
Logo, você aí, com raciocínio lógico, haverá de pensar que o Ocidente (EUA e Europa Ocidental para ser específico) estão felizes da vida, festejando e assumindo a paternidade da democracia, certo?
Sua lógica é lógica, mas é errada: o Ocidente foge com todo o vigor do patrocínio da democracia.
É o paradoxo, pelo menos em relação à Líbia, que ficou evidente em todas as intervenções na sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU e nas entrevistas coletivas concedidas pelos chanceleres das principais potências ocidentais.
"O Ocidente não tem todas as respostas", disparou, por exemplo, Hillary Clinton. É óbvio mas não é o que os Estados Unidos diziam ainda recentemente, no governo George Walker Bush, por exemplo. Chegaram até a anunciar a invasão do Iraque como exportação da democracia para o mundo árabe.
Reforça o ministro italiano Franco Frattini, até anteontem o maior aliado da Líbia de Gaddafi: "Não pretendemos ditar a mudança [na Líbia]. Queremos, ao contrário, que a democracia seja de total propriedade do povo líbio".
Frattini chega a falar em modelos de democracia, como se o Ocidente admitisse que pode haver mais de um e não apenas o que a esquerda de antigamente chamava de "democracia burguesa".
Não é difícil explicar esse receio de aparecer como donos da "nova Líbia", como a denominou Frattini ou de um eventual "novo Oriente Médio", como se especula que possa emergir da sequência de rebeliões em curso ou já semi-vitoriosas (semi, porque duas ditaduras caíram mas ainda não se estabeleceu a democracia).
Primeiro, há o fato de que o Ocidente adotou a teoria de que só havia duas hipóteses possíveis no Oriente Médio: ou as ditaduras amigas, como a do Egito, ou as ditaduras inimigas, caracterizadas por regimes fundamentalistas islâmicos, tipo Irã. É óbvio que a escolha sempre foi pelas ditaduras amigas.
As Revoltas fizeram ruir essa teoria. Agora, diz Hillary, houve uma convergência entre valores e interesses [dos países ocidentais]. Ficou demonstrado, sempre segundo ela, que "a democracia é mais estável, mais pacífica e, no fim das contas, mais próspera".
Segunda razão: ao atribuir a "propriedade" da mudança aos próprios árabes, o Ocidente coincide com o espírito de recuperação do orgulho árabe que marca as rebeliões. Não têm sido anti-ocidentais mas tampouco seguiram pautas ditadas pelo mundo rico. Não é um terreno fértil para novos sermões.
Fonte: folha online

Taça das bolinhas

Justiça agora manda Taça das Bolinhas ficar com o São Paulo

Uma decisão da Justiça de São Paulo deve conturbar ainda mais a polêmica em torno da Taça das Bolinhas.
Na noite de ontem, o juiz Marcelo Mesquita Saraiva, da 15ª Vara Cível da Justiça Federal em SP, julgou ação de manutenção de posse do São Paulo para que o troféu permanecesse no clube até o fim do imbróglio.
Saraiva deu razão ao time e determinou que a taça permaneça no Morumbi até o término da polêmica, que envolve também o Flamengo e o Sport.
A decisão vai de encontro a outra tomada por um juiz do Rio de Janeiro determinando que o São Paulo devolva o troféu em 24 horas à CEF (Caixa Econômica Federal), já que ela é reivindicada também pelo Flamengo, que teve o seu título de 1987 reconhecido pela CBF e também se tornou pentacampeão, como o São Paulo.
O clube paulista, por motivos óbvios, prefere obedecer à Justiça federal de São Paulo e ficar com a taça.
EM PERNAMBUCO
Também na terça à noite, o juiz Francisco Alves, da 2ª Vara Federal, decretou que o Sport seja reconhecido pela CBF, em 48 horas, o único campeão brasileiro de 1987.
Com isso, o Flamengo, que era considerado pela entidade o co-campeão daquele ano, passará a ter cinco títulos nacionais oficiais e não poderá reivindicar a posse do troféu de vida polêmica, já que o clube carioca alcançou o feito depois do São Paulo.
"Fiquei estarrecido. Discutir título de um campeonato de futebol na Justiça não me parece o foro mais correto. Isso tem que ser discutido internamente, na CBF", comentou o vice-jurídico flamenguista, Rafael de Piro.
A taça, concedida pela Caixa ao primeiro clube cinco vezes campeão brasileiro, está com o time do Morumbi há cerca de duas semanas. Mas havia uma liminar na Justiça que o obrigava a devolvê-la.
A discórdia está relacionada ao ano de 1987, quando a CBF deixou a organização do Brasileiro nas mãos do Clube dos 13. O Flamengo venceu o principal módulo da Copa União, mas, em comum acordo com os outros times da elite, não enfrentou os melhores do outro módulo.
Na época, o Sport foi decretado campeão brasileiro pela CBF e disputou a Libertadores. O título do Flamengo foi reconhecido pela organização do campeonato.
Amparada por uma decisão jurídica final, a qual não cabe recurso, favorável ao Sport, a Caixa entregou a taça ao São Paulo. Uma semana depois, no entanto, a CBF passou a considerar também o título da equipe do Rio.
A CBF informou que só irá comentar a decisão quando for notificada judicialmente.
Fonte: folha online 02/02/2011